Márcia Kambeba, filha do Rio Solimões, nascida entre os Tikuna em Belém do Solimões, município de Tabatinga-AM, é pertencente à etnia Omágua/Kambeba, escreveu hoje um capítulo histórico para a academia e para os povos originários.

Nesta manhã, 19 de dezembro, no auditório do Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL/UFPA), ela defendeu sua tese: “Os Omágua/Kambeba: Narrativas, Dispositivo Colonial e Territorialidades na Pan-Amazônia Contemporânea”. Com a banca composta por grandes nomes, como a orientadora Dra. Ivania Neves (UFPA), Dra. Maria Tavares (UFPA), Dra. Ananda Machado (UFRR), Dra. Luisa Olschewski (Universidade Nacional Mayor de San Marcos, Peru), Dra. Isabel Leal (UFPA), Dr. Gersen Baniwa (UnB) examinador indígena e Dr. José Bessa Freire (UFPA), Márcia reafirmou a potência da intelectualidade indígena ocupando a academia como uma força contra colonial, reflorestando as mentes e corações.

A defesa foi mais que um rito acadêmico – foi um ritual de ancestralidade viva. O encontro iniciou com cantos Guarani e Tembé, defumação e a partilha da bebida sagrada de mandioca, conduzidos pela APYEUFPA, associação de estudantes indígenas da UFPA. Uma celebração que ecoou as memórias e os cantos dos antepassados, unindo parentes, estudantes, professores e amigos em um momento de reencontro espiritual e cultural. Em sua tese, Márcia nos guia pelo “caminho do Kuara Açu” como recurso metodológico para o retorno às casas ancestrais, costurando as narrativas de reconexão, resistência e pertencimento. Ela nos mostra como os Omágua/Kambeba, fragmentados por fronteiras e o governo da língua, encontram força na oralidade, nas cosmopercepções e nas poéticas do bem viver sendo embalados pelas tramas das maqueiras das avós e suas histórias ancestrais que preservam línguas, cultura e existência, conduzindo um caminho de retomada e união entre os povos Omágua/kambeba do Brasil e Peru. A defesa é um marco de resistência: uma materialização da pedagogia da retomada, onde a reconexão com a memória e o território se faz o primeiro passo para firmar o retorno ao lar ancestral. Márcia borda em gotas de águas e palavras, a força do eterno retorno indígena – rios de memórias que fluem como cantos, conectando passado, presente e futuro.

Línguas indígenas são rios de oralidades, escritas vivas que cantam a ancestralidade pelas águas da criação. Esse momento é uma celebração de luta, pertencimento e territorialização dos saberes originários no coração da academia. Um marco de que estamos remexendo as memórias das grandes avós, nutrindo as raízes e semeando o amanhã. Geógrafa, escritora reconhecida com diversas obras publicadas e referência na literatura indígena brasileira, Márcia Kambeba agora é doutora em Letras pela UFPA, reafirmando o protagonismo dos povos originários na academia.

Parabéns, Márcia Kambeba! Sua conquista é inspiração, força e renascimento para todos nós povos indígenas

Texto: Danielle Souza/Iacy Anambé


GRATIDÃO EM PALAVRAS E SENTIMENTOS

Hoje, para alcançar a defesa da minha tese pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL), com o tema "Os Omágua/Kambeba: Narrativas, Oralidades e Territorialidades na Pan-Amazônia Contemporânea", transbordo de gratidão. Este é um momento de imensa realização pessoal e coletiva, fruto de um percurso que atravessou fronteiras físicas e emocionais, entre o Brasil e o Peru, e mergulhou nas águas profundas das narrativas de meu povo. Minha gratidão se volta, primeiramente, à minha família, aos amigos e a todos que estiveram ao meu lado nessa caminhada. De forma especial, agradeço à minha orientadora, professora Dra. Ivânia dos Santos Neves, por acreditar na minha capacidade de trilhar essa jornada acadêmica e por confiar em mim para desenvolver uma pesquisa que carrega tanto do meu ser e da minha ancestralidade. Aos Omágua, do Brasil e do Peru, que abriram suas histórias, suas vozes e seus corações para este trabalho, meu mais profundo agradecimento por confiarem em mim para levar suas narrativas ao mundo. Este percurso foi uma experiência verdadeira nas águas da emoção e da memória. agradecimento aos encantados e à espiritualidade que guiaram cada passo, iluminando o caminho com força e sabedoria. Foi uma espiritualidade indígena, sempre presente, que me deu fôlego para continuar mesmo nos momentos de maior desafio. Minha avó, com suas memórias contadas na maqueira de tucum, está presente em cada palavra desta tese. Sua sabedoria transmitida ao longo das gerações ressoou como guia e inspiração. Aos Tikuna, pelo acolhimento em seu território e pela generosidade em compartilhar sua cultura e vivências, meu profundo respeito e reconhecimento. Este é um momento de reafirmação de que precisamos adentrar os espaços acadêmicos com pesquisas que reflitam a nossa forma indígena de ser e de pensar o mundo. É necessário que nossa voz, transmissões de oralidade, espiritualidade e territorialidade, ecoe como parte fundamental do conhecimento produzido. A todos que fizeram parte dessa jornada, meu eterno agradecimento. Que esta tese não seja apenas um marco pessoal, mas também um sopro de vida e continuidade para as narrativas dos povos indígenas na academia e no mundo.

- Márcia Kambeba